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sábado, 15 de outubro de 2011

Fragmentos da criação (projeto para serigrafia)


         Eva saiu do paraíso com uma folha de alface na frente e outra atrás e veio parar no país dos filhos da puta, de indigentes de toda sorte, dos assassinos cruéis, dos fanáticos por futebol e dos foras da lei de todas as espécies.
        Desprovida de seus bens, inclusive de seus adereços pessoais, só lhe restou uma maçã – fruto de suas ações ilícitas – e duas folhas de alface que mal lhe permitiram cobrir suas partes íntimas. Endividada, com o nome sujo, com vários cartões de crédito próximos do vencimento e alguns filhos espalhados pelo mundo, Eva diz num tom que oscila entre o sarcástico e o irônico que a culpa é sempre da mulher. Afinal, que fim levou Adão?
        Devido ao fato de já ter nascido endividada, Eva tornou-se símbolo do capitalismo desenfreado. Junto com ela, foram criados o Fundo Monetário Internacional, a Bolsa de Valores, o Serviço de Proteção ao Crédito, o Cerasa, as taxas de câmbio, alíquotas nacionais e estrangeiras, juros, moras, investimentos, a indústria bélica, o consumismo e as agências de publicidade, feitas para vender sardinha por salmão e para garantir a felicidade de todos de modo indiscriminado.
        A primeira coisa que Eva fez ao sair da casa dos pais foi entrar em uma dessas lojas que oferecem o próprio cartão como sinal de exclusividade – não sei ao certo se Riachuelo ou Pernambucanas – e contraiu uma dívida secular como quem contrai uma doença incurável. Ao se deparar com tantos produtos pronunciou as seguintes palavras: "Pecado é não poder comprar" e continuou seu solilóquio fugaz: "Se eu não puder pagar à vista, parcelo no cartão em até 12 vezes sem entrada".
        Casou-se várias vezes, teve muitos filhos, fez algumas viagens, deu algumas festas,  mas nunca conseguiu saldar sua dívida. Arrependida somente por ter gastado além do que seu salário lhe permitia, hoje ela vende o próprio corpo no sinal.


       

       

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Considerações sobre Cirúrgica (a personagem da performance)


           Cirúrgica é uma performance que satiriza a rigidez dos cânones de beleza em vigor na contemporaneidade e a submissão das mulheres que recorrem às cirurgias plásticas. Frequentemente, por trás do desejo de se sentirem mais atraentes ou de permanecerem jovens, se escondem a insegurança e a dificuldade de enfrentarem o processo de envelhecimento. Na cultura do efêmero, onde todos têm direito aos cinco minutos de fama - mas não mais do que isso - as intervenções no corpo dão indícios de um esvaziamento do sujeito em prol de aparências infladas a silicone.
            Assim, quando pensei na criação de uma performance, queria que tocasse de maneira debochada, quase grotesca, esse aspecto do universo feminino. Cirúrgica, portanto, é uma mulher em plena decadência moral e que vivencia de maneira angustiada a própria decrepitude física. Mas a recorrência às cirurgias e às próteses apaziguam temporariamente seus temores. Nesses momentos, ainda sob efeito da anestesia de um novo par de seios, ela se sente delirantemente maravilhosa.


Recursos usados para a realização da performance:


Nádegas de acrílico
Manequim frontal de acrílico
Laquê
Grampos para cabelo
Saltos altos
Maquiagem
Perfume (muito perfume, porque só o silicone não basta para tornar uma mulher atraente)
Espelho (de preferência desses que escondem os pequenos defeitos)
Prendedores de roupa (para esticar o rosto até ele ficar roxo)

domingo, 29 de maio de 2011

Promessas ou jogo do troca-troca

Essa postagem nasceu do sentimento de impotência diante da iminência da aprovação do novo código florestal. Como praticamente nenhum setor da sociedade se mobilizou - ou se o fez, foi de forma incipiente e silenciosa  - uso esse espaço para expressar minha tristeza e indignação.

Dolorina nasceu para pagar as promessas da mãe.

João Ferreira não nasceu para pagar promessa de ninguém.

Jacy Aparecida prometeu a si mesma que não viveria como Dolorina.

Iraci nunca acreditou em promessas.

Maria prometeu a si mesma que só pararia de tomar Coca-Cola depois de morta.

A família Ferreira prometeu que nunca mais voltaria a Paris.

Teresa prometeu a si mesma que nunca mais andaria de ônibus.
Candidatos prometem qualquer coisa antes das eleições.
Marina prometeu não se envolver mais com a política.
Berlusconi prometeu governar a Itália.
Antônio P. não cumpre suas promessas.
Berlusconi também não.
Sinfrônio adoraria escutar promessas de amor.
O pagador de promessas é um filme nacional.
Os santos não gostam de promessas. Políticos e advogados vivem disso.
Promessas vendem como pão.
O ilustríssimo Sr. Sérgio prometeu não sair no prejuízo e se vendeu a meia dúzia de coronéis.
Aldo Rebelo prometeu proteger o meio ambiente e criou um novo código florestal.
Durante os primeiros anos em BH eu também acreditava em promessas.
Berlusconi prometeu que nunca mais andaria de ônibus.
Antônio P. nunca acreditou em promessas.
O ilustríssimo Sr. Sérgio prometeu que nunca mais voltaria a Paris.
Dolorina adoraria escutar promessas de amor.
Marina não nasceu para pagar promessa de ninguém.
Jacy Aparecida prometeu governar a Itália.
Sinfrônio prometeu que pararia de beber só depois de morto.
O ilustríssimo Sr. Sérgio nasceu para pagar promessa da mãe.
Aldo Rebelo prometeu não sair no prejuízo e se vendeu a meia dúzia de coronéis.
Hoje, dou pouco valor a promessas.





sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

O que você quer ser quando crescer?


Dona Cacilda queria ser cantora de rádio mas se tornou dona de casa, Rubião queria ser médico e virou corretor de imóveis, Joana queria ser madame mas só conseguiu ser aprendiz de manicure. Anderson queria trabalhar em multinacional e comprar casa na praia, acabou endividado e seu nome foi parar no SPC.


Karina sonhava em trabalhar como espiã para a KGB e foi parar em manicômio judiciário. Roberto queria ser promotor de justiça mas acabou se tornando bailarina.


Josué quando crescer quer ser piloto de fórmula um, Ariovaldo quer ser jogador de futebol, Clara quer ser enfermeira, Mathias quer ser aviador, Evelyn quer ser escritora, Rodrigo ainda não sabe o que quer, Vânia e Raíssa querem ser atrizes de novela. Provavelmente não serão ninguém.
Clodovil só queria ser alfaiate mas acabou entrando para a política. Aécio Neves queria ser o queridinho do titio mas não chegou à presidência, Diogo Mainardi queria ser o braço direito do patrão, vendeu-se facilmente para a Veja e hoje cumpre ordens dos dirigentes da editora Abril. Edir Macedo queria ser milionário e abriu uma igreja. Bento XVI queria trabalhar em Auschwitz mas a Alemanha perdeu a guerra e ele se tornou Papa. Tiririca só queria ser palhaço e hoje ocupa um lugar no Palácio do Planalto.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Caixas de Pandora - Vidas Breves, Mortes Súbitas

Não é só de doença, velhice ou acidente que se morre.
Nem sempre é o corpo que padece ...
Lorenço Chiavenatto morreu de tanto rir
Dulcineia de Jesus morreu de inveja
Alfredo Martins morreu de raiva
Joaquim Boaventura morreu de tristeza
Aurélio Cansado morreu de sono
Justino Barbosa morreu de ódio
Carolina Arruda morreu de cansaço
Dolores Bianchi morreu de saudade
Dionísio das Dores morreu de nervoso
Frígida Borges morreu de tesão
Stanislaw de Alencar morreu de susto
Domingos Silvério morreu de tanto esperar
João da Silva morreu de arrependimento
Cacilda dos Santos morreu de amargura
Ana Maria Marchioni morreu de dor de cotovelo
Antônia Molezin morreu de medo
E você? Quer morrer como?