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sábado, 15 de outubro de 2011

Fragmentos da criação (projeto para serigrafia)


         Eva saiu do paraíso com uma folha de alface na frente e outra atrás e veio parar no país dos filhos da puta, de indigentes de toda sorte, dos assassinos cruéis, dos fanáticos por futebol e dos foras da lei de todas as espécies.
        Desprovida de seus bens, inclusive de seus adereços pessoais, só lhe restou uma maçã – fruto de suas ações ilícitas – e duas folhas de alface que mal lhe permitiram cobrir suas partes íntimas. Endividada, com o nome sujo, com vários cartões de crédito próximos do vencimento e alguns filhos espalhados pelo mundo, Eva diz num tom que oscila entre o sarcástico e o irônico que a culpa é sempre da mulher. Afinal, que fim levou Adão?
        Devido ao fato de já ter nascido endividada, Eva tornou-se símbolo do capitalismo desenfreado. Junto com ela, foram criados o Fundo Monetário Internacional, a Bolsa de Valores, o Serviço de Proteção ao Crédito, o Cerasa, as taxas de câmbio, alíquotas nacionais e estrangeiras, juros, moras, investimentos, a indústria bélica, o consumismo e as agências de publicidade, feitas para vender sardinha por salmão e para garantir a felicidade de todos de modo indiscriminado.
        A primeira coisa que Eva fez ao sair da casa dos pais foi entrar em uma dessas lojas que oferecem o próprio cartão como sinal de exclusividade – não sei ao certo se Riachuelo ou Pernambucanas – e contraiu uma dívida secular como quem contrai uma doença incurável. Ao se deparar com tantos produtos pronunciou as seguintes palavras: "Pecado é não poder comprar" e continuou seu solilóquio fugaz: "Se eu não puder pagar à vista, parcelo no cartão em até 12 vezes sem entrada".
        Casou-se várias vezes, teve muitos filhos, fez algumas viagens, deu algumas festas,  mas nunca conseguiu saldar sua dívida. Arrependida somente por ter gastado além do que seu salário lhe permitia, hoje ela vende o próprio corpo no sinal.